sexta-feira, 7 de outubro de 2005

A árvore da vida



Ao Sr. Pereira,
no culminar dos seus 93 anos

A grande árvore pôs-se a pensar. Dava-lhe sempre para pensar enquanto a sua folhagem era sacudida pela música dos dias bonitos: o esplendor do sol, o som da água do riacho próximo, o assobio discreto da brisa que trazia consigo os aromas de cenários longínquos... Sentia-se bem. Sentia-se muito bem. Vivera já muitos anos e habituara-se a ver outras árvores crescerem na sua sombra.
Era uma grande árvore. A maior das redondezas. Por vezes, olhava para trás, na imensidão do tempo, e tentava perceber como tudo começara. Não sabia como tinha chegado ali: podia ter sido plantada pelos homens ou trazida de longe, ainda semente, no bico de algum pássaro... podia ter acontecido de muitas formas, mas gostava de alimentar a ideia de que tinha vindo à boleia do vento, por entre vales e montanhas escarpadas, enfrentando obstáculos e dificuldades e escolhendo aquele bocadinho de terra, bem no alto da colina, para se deixar cair. Era uma semente cheia de força de vontade! Tratou logo de se agarrar à terra o mais que pôde e sempre sonhou crescer o suficiente para conseguir ver o mar.
Todos os dias surgiam como se fossem um sempre novo e espectacular concerto: o sol, que surgia muito de mansinho no horizonte; as flores que começavam a pintar as suas pétalas bem cedo, para se revelarem em todo o seu esplendor à luz do dia; a água do riacho, que saltitava de pedra em pedra, como que a saborear a novidade da manhã... Ela também cuidava todas as manhãs da sua folhagem. Deixava cair as folhas velhas e secas, retocava o tom de cada uma das que mantinha e deixava-se ficar à espera. Era sempre o melhor momento do dia! Sabia que, assim que a sua frondosa folhagem fosse tocada pelos raios do sol, explodiria num fogo-de-artíficio de tons de verde e reflexos brilhantes. Era feliz. Sentia-se viva.
Parecia que todo o Mundo girava em seu redor. As aves escolhiam os seus ramos longos e fortes para aí construírem os seus ninhos e ela sentia-se muito orgulhosa por poder testemunhar e servir de cenário aos primeiros dias de vida de inúmeros passarinhos que lhe acenavam, como que a agradecer, sempre que, já adultos, passavam por perto. Os seus frutos eram os mais apreciados das redondezas e era a sua sombra a que as crianças preferiam para brincar.
O tempo foi passando e a árvore foi ficando cada vez mais velha... as suas folhas perderam o brilho da juventude, os seus ramos estavam já mais fracos e quebradiços e os frutos eram em muito menor quantidade do que noutros tempos. Sentia-se fraca e temia deixar desapontados todos os que durante a sua vida, de alguma maneira, dependeram dela. Sentia-se morrer e não queria levar consigo a vida que a tantos ajudara a viver.
Até que uma bela manhã a árvore desfrutou do seu último grande concerto e, logo depois da explosão de cor das folhas, agora escassas, amarelas e ressequidas fechou os olhos e rendeu-se, triste, à inevitabilidade do desaparecimento da sua vida. Era o fim. Sabia-o quando morreu.
Não viveu o suficiente para ver a força de vontade da última das suas sementes, que aproveitou o sopro de despedida do vento e se deixou cair na terra a pouco mais de um metro do seu imponente tronco...

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