Contributo a partir da obra Soli Deo Gloria, de José Paulo da Costa Antunes
Um jovem e talentoso pianista quis tocar uma das peças mais difíceis do “Catálogo dos Pássaros” de Messian. Foi o próprio compositor que um dia escreveu acerca dele dizendo: «Ele teve de se familiarizar com as paisagens e com os pássaros antes de se meter ao trabalho; ele foi de uma honestidade exemplar e o resultado é magnífico» (Messian 221). Isto faz todo o sentido e pode ser aplicado a todas as formas de arte. Imagine-se um pintor a querer exprimir o voo de uma águia sem nunca se ter ocupado de a observar deslocando-se aos locais onde elas se encontram. Por mais talentoso que fosse o pintor, faltaria verdade na sua obra. Só quem agarra as coisas por dentro e gasta tempo em fazê-las suas, pode dizê-las aos outros na sua arte.
Estas afirmações encontram um sentido ainda maior quando nos referimos à arte litúrgica, mais propriamente a música, que é o objecto do nosso estudo. Aqui é essencial, não só estar muito familiarizado com o que é a música, mas também dominar o verdadeiro sentido da liturgia e a riqueza dos vários momentos que a constituem. Aqui, liturgia e música existem porque estão a acontecer, sempre num diálogo entre alguém que chama e outro alguém que responde, entre alguém que fala e outro alguém que escuta.
Se, na liturgia, acontece o encontro entre Deus e o homem, numa relação única de amor que parte da iniciativa de Deus, que outra linguagem, que não a artística, poderia expressar melhor esse momento? O homem sempre usou das suas capacidades artísticas para manifestar o espanto, o deslumbramento e a sua surpresa perante a gratuidade do amor divino. A arte é a linguagem, por excelência, para dizer o transcendente, ela é a resposta generosa do homem que não pode permanecer calado perante Deus que, assim, o interpela.
Olhando as coisas deste modo, podemos dizer que a música tem, na liturgia, um papel fundamental e insubstituível. Só que, aí, há que procurar encontrar um percurso que permita que a música se realize como arte, sem no entanto esquecer que é necessário encontrar uma estética que lhe permita enquadrar-se no todo da acção celebrativa em que tem lugar.
Podemos dizer, com verdade, que é assumido que após o II Concílio do Vaticano, a música litúrgica se afirmou como sendo parte integrante, e necessária, da liturgia. O que ainda falta fazer é passar para a celebração a mudança de mentalidade e atitude que daí derivam. «Cantar na liturgia continua a ser algo que se reduz à dimensão do estético e não vai à raiz da sacramentalidade, como deveria» (José Costa Antunes).
Cantar rezando e rezar cantando deve ser o horizonte que perseguimos ao pensar a música para a liturgia. É inegável a facilidade com que a música ajuda o homem a transcender-se, mas atenção para que não seja uma melodia bem executada e, no entanto, estéril. Dizia Santo Agostinho que «cantar é próprio de quem ama».
Há-de ser, tem de ser, esse amor a fazer ecoar o canto do nosso coração.
uma bela melodia leva-nos ao encontro com o Pai, com o outro...
ResponderEliminarobrigada Hugo por esta reflexão tão bonita
FernandaR
Estou plenamente de acordo. O valor de um texto da Sag. Escritura bem musicado,e consequentemente bem executado, é uma grande ajuda para rezar bem. Daí o meu interesse em participar sempre que posso, nos «Encontros Nacionais de Pastoral Litúrgica» que se realizam todos os anos em Fátima, no mês de Julho, durante uma semana.
ResponderEliminarCeleste
gostei muito
ResponderEliminarCaro Hugo,
ResponderEliminarÉ bom acordar num domingo, gozar e agradecer o Sol fantástico que por qualquer mistério me sinto abençoado por poder gozá-lo.
Sento-me ao computador antes de almoço para ver os e-mails. Confronto-me com o teu texto. Concordo com tudo o que foi escrito. Infelizmente, não existe lugar para a discussão que tanto gosto, só o dizer que são poucos os momentos de oração ou de Eucaristia aos quais participo e existe sintonia entre os cânticos (quando são bem cantados) e a liturgia. Um bem Haja.
Gabriel