domingo, 18 de janeiro de 2009

Estar preso


- Olá, bom dia! - disse a raposa.
- Olá, bom dia! - respondeu delicadamente o principezinho que se voltou mas não viu ninguém.
- Estou aqui - disse a voz - debaixo da macieira.
- Quem és tu? - perguntou o principezinho. - És bem bonita...
- Sou uma raposa - disse a raposa.
- Anda brincar comigo - pediu-lhe o principezinho. - Estou triste...
- Não posso ir brincar contigo - disse a raposa. - Não estou presa...

- AH! Então, desculpa! - disse o principezinho. Mas pôs-se a pensar, a pensar, e acabou por perguntar: - O que é que "estar preso" quer dizer?
- Vê-se logo que não és de cá - disse a raposa. - De que é que tu andas à procura?
- Ando à procura dos homens - disse o principezinho. -
O que é que "estar preso" quer dizer?
- Os homens têm espingardas e passam o tempo a caçar - disse a raposa. - É uma grande maçada! E também fazem criação de galinhas! Aliás, na minha opinião, é a única coisa interessante que eles têm. Andas à procura de galinhas?
- Não - disse o principezinho. Ando à procura de amigos. O que é que "estar preso" quer dizer?
- É a única coisa que toda a gente se esqueceu - disse a raposa.
- Quer dizer que se está ligado a alguém, que se criaram laços com alguém.

- Laços?
- Sim, laços - disse a raposa. - Ora vê: por enquanto, para mim, tu não és senão um rapazinho perfeitamente igual a outros cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, para ti, eu não sou senão uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas,
se tu me prenderes a ti, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E, para ti, eu também passo a ser única no mundo...
- Parece-me que estou a começar a perceber - disse o principezinho. - Sabes, há uma certa flor...tenho a impressão que estou preso a ela...



Estava aqui a pensar nos amigos e na forma como se vão resolvendo as nossas relações e fui-me socorrer, como sempre, do Principezinho. Não que o veja como um manual, mas porque o olho sempre como uma grande interpelação, escrita com palavras muito simples... Um tesouro escondido.
À medida em que vou avançando na minha caminhada vou descobrindo as relações de uma outra forma, com um sentido maior pelo meio... Isso dá-lhes um maior alcance e vai-me dando a mim o horizonte de universalidade em que se vão construindo... Mas pergunto-me sempre muito acerca das doses certas...
A riqueza de um coração indiviso, de um coração entregue é que pode ser para todos. Descobrir-se amado, encontrar-se amante, é como ir enchendo um copo sem parar e saber que, por mais que transborde, vai estar sempre cheio até cima. E nesse estar sempre cheio é que está o segredo...
A raposa fala deste prender... desta necessidade de criar laços... fala da amizade assim... como se conjuga esta relação que exige a criação de laços, com um coração que é de e para todos?
Ser para todos, significa ao mesmo tempo não ser para ninguém?

O que é que estar preso quer dizer?

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