«Dentro de mim há um poço muito fundo. E lá dentro está Deus. Às vezes consigo lá chegar. Mas acontece mais frequentemente haver pedras e cascalho no poço, e aí Deus está soterrado. Então é preciso desenterrá-lo. Imagino que há pessoas que rezam com os olhos apontados ao céu. Esses procuram Deus fora de si. Há igualmente pessoas que curvam profundamente a cabeça e a escondem nas mãos, penso que essas procuram Deus dentro de si.»
Este texto é um excerto do Diário de Etty Hillesum, uma rapariga judia que aprendeu a ajoelhar, que experimentou a morte nos campos de concentração, uma rapariga que já adivinhava essa morte com muita antecedência. Este diário é o testemunho de que é possível encontrar um sentido e viver abundantemente quando em tudo e em todos à nossa volta vemos já espelhado o rosto inevitável da morte.
Eu sinto-me assim. Sinto-me o muro exterior de um poço muito mais profundo, mas que eu ainda estou a conhecer por dentro. Um poço habitado por mistérios e surpresas que ainda não estão ao alcance do meu conhecimento.
Mas, mesmo não lhe conhecendo o fundo, vão chegando à superfície ecos da sua profundidade e muitas vezes a água ondula ligeiramente mostrando que não está parada. O poço está, afinal, cheio de vida.
A vida fora do poço, aqueles a quem vai matando a sede, deixam adivinhar alguns frutos que brotam da água que dele sai... mas só entrando lá dentro, mergulhando cada dia um pouco mais fundo, lá onde está escuro, o poço é mesmo poço. Só lá no fundo eu sou mesmo eu. Porque lá habita Deus.
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