in O Primeiro Dia, de João César das Neves, Lucerna
«Numa tarde, quando já era muito idosa, a um genro, que protestava contra a política de Pequim, a corrupção dos funcionários e a miséria dos camponeses, Wai disse:
- A nossa aldeia é pobre e triste. A sua maior riqueza é o rio. Mas a única razão porque o rio passa por esta aldeia é porque quer chegar ao mar. A única razão porque o rio passa por todas as terras é porque quer chegar ao mar. É só isso que o rio quer. Só porque quer chegar ao mar é que passa por todas as terras e a todas dá vida. Na sua ânsia de chegar ao mar, faz crescer as plantas, alaga os arrozais, transporta troncos, arrasta a terra fértil, empurra os barcos e as pessoas, refresca os trabalhadores.
Mas o rio nem nota que faz isso, porque está demasiado ocupado noutra coisa. O rio não protesta com as terras por onde passa, não se importa de ser usado, nem liga quando o desviamos, porque o seu único objectivo é atingir o mar.
Sacrifica tudo ao seu propósito único e supremo de lá chegar. Tanto lhe faz passar por verdes prados ou por vales tenebrosos. Ruge nos rochedos escarpados e dorme nas planícies lamacentas, mas a única coisa que lhe interessa é seguir sempre, da melhor maneira possível, para o mar. É só isso que o rio quer.
A única razão por que o rio passa por todas as terras, sem se negar a nenhuma, é querer chegar ao mar.
Por isso, só por isso, é que dá vida a todos.»
Ser como o rio é sabermos onde está o nosso tesouro. Ser como o rio, é viver de olhos postos nesse tesouro, orientarmo-nos para ele, sem nos preocuparmos com o tempo, a vida, o esforço, o sofrimento, o bem, as lágrimas e os sorrisos que gastamos até o encontrarmos.
Ser como o rio é dar a vida a tudo por que passamos no caminho.
Sem comentários:
Enviar um comentário