Era uma vez um burro. Um burro sem
fama e sem nome, daqueles a quem chamamos simplesmente «burro» quando nos
referimos a ele.
Esse burro sem fama e sem nome vivia
uma vida anónima e pertencia a uma família de lavradores que o utilizavam nas
suas deslocações, no seu trabalho e no transporte de mercadorias e lenha.
A vida desse burro, era uma vida
igual à de tantos outros burros do seu tempo. Quando não estava a trabalhar,
deixavam-no amarrado num pequeno quintal de onde conseguia ver pouco mais do
que a encosta seca onde fora construída a casa dos seus donos. E pensava muitas
vezes como era monótona a sua vida de burro, sem fama e sem nome.
Um dia, estava ele a descansar à
sombra de um sicómoro no quintal dos seus donos, quando uns homens entraram no
quintal e desataram a corda que o amarrava com a intenção de o levarem. O dono
ainda correra a averiguar o que se passava, mas pareceu ter ficado satisfeito
com a resposta estranha que lhe deram: «O Mestre precisa dele».
Sem perceber nada, o burro lá foi
com a esperança de estar envolvido numa grande aventura. Em seguida, os homens deitaram-lhe
por cima as suas capas, como ele já tinha visto fazer com os elegantes cavalos
dos grandes senhores que passavam na estrada poeirenta que conduzia à cidade e
o burro, sem fama e sem nome, começou a imaginar o que pensariam agora os seus donos
(os mesmos que nunca lhe tinham dado grande atenção), se o vissem assim vestido,
à maneira dos cavalos que serviam a nobreza.
Quase nem notou que fizeram subir
para a sua garupa, um homem a quem todos chamavam Jesus, e lá se deixou
conduzir para a entrada da cidade como quem finalmente toma posse do seu
destino dourado. À sua passagem, os homens deitavam as capas por terra para que
lhes passasse por cima, as crianças e as mulheres agitavam no ar ramos de
palmeira e até as árvores pareciam inclinar-se ligeiramente como que a saudar a
sua passagem. Ouviam-se aplausos e a multidão gritava: «Hossana ao Filho de
David!»
E o burro, outrora sem fama e sem
nome, pensou: «Agora sim! Agora sou tratado como eu mereço. Os meus donos
mantinham-me fechado naquele quintal apertado, forçavam-me a transportá-los e a
trabalhar e nunca me deram o devido valor. Esta multidão, finalmente, está a
dar-me o que eu mereço. Eu devo ser mesmo importante para eles, senão não me
saudariam desta forma.» E esforçava-se por adoptar uma postura correspondente com
a sua nova dignidade, alongando o mais que podia o atarracado pescoço.
Quando o cortejo, finalmente, chegou
ao seu destino, o burro reparou no homem que viajava no seu dorso e a quem
todos chamavam Jesus e ficou muito intrigado quando percebeu que todos os que o
seguiam e o aclamavam durante o pequeno percurso até à cidade, lhe voltaram as
costas assim que esse homem desmontou e começou a caminhar pelo meio da gente.
E ninguém olhou sequer para trás quando o puxaram pela corda
e o levaram de volta para o quintal dos seus donos. Sem perceber nada, o burro
lá voltou à sua vida de sempre, sem fama e sem nome.
Hugo Gonçalves, 2013