sexta-feira, 24 de abril de 2009

Fica, irmão Hugo!



Estive há pouco a revisitar o diário que escrevi quando estive pela primeira vez em missão em Nambuangongo...
Demorei-me na página que descreve o dia 11 de Agosto. Lembro-me como se tudo estivesse a acontecer neste momento. Estávamos a fazer os preparativos para a Festa da Senhora da Assunção que seria no dia 15 de Agosto e que coincidia com a nossa despedida da aldeia de Ngombe. Eu estava a escrever sentado à mesa e os dois padres que nos acompanhavam estavam sentados na rua a conversar.
Nisto chega o Lopes. O Lopes é um rapaz que ainda não devia ter 10 anos. Nunca tinha saído de perto de nós, como todas as crianças da aldeia com quem brincámos, rezámos, estudámos... Só que o Lopes vinha sempre à missa das 6h da manhã e, à tardinha, olhava muito atento para a forma como as contas do terço deslizavam entre os meus dedos... Para mim o Lopes era mais um miúdo, entre tantos que reclamavam a minha atenção.
Mas o que aconteceu neste dia fez com que nunca mais o esquecesse. Quem me conhece sabe que eu não sou de ficar sem palavras. Mas o Lopes deixou-me sem nenhumas.
Aproximou-se da casa que tinha a porta aberta e ouvi-o perguntar aos padres:
- Padre Daniel, é verdade que vocês vão embora no Domingo? - O Padre Daniel respondeu que sim. Ele disse:
- E o irmão Hugo também vai? - Depois de uma outra resposta afirmativa, replicou.
- O irmão Hugo não pode ficar? Eu gostava que ele ficasse.
Então o Padre Daniel, sabendo que eu estaria a ouvir, disse-lhe:
- Então tens de pedir isso ao Hugo. Ele está lá dentro.
Fiquei paralisado ao ouvir isto e durante os poucos segundos que o Lopes demorou a chegar ao pé de mim. Sempre muito sereno, educado, contido... E disse:
- Irmão Hugo?... É verdade que vai embora no Domingo?
Eu respondi que sim. Ele:
- Não vá, irmão Hugo. Tem de ficar!
Eu expliquei que não podia, que tinha família, compromissos à minha espera, mas para ele todos os problemas eram pequenos:
- Fica! Nós construímos uma casa... - E ficou a olhar para mim.
Eu não soube dizer mais nada. Ainda hoje não sei bem o que poderia ter dito. E nem sequer sei o que levou aquele miúdo a pedir-me que ficasse. Mas desde esse momento que Nambuangongo tem um rosto muito particular, com uns olhos negros aonde eu sei que caberia o mundo todo.
Não é esse o único motivo que me leva a Nambuangongo. Mas foi esse que hoje quis partilhar convosco.
Já sabem que se querem apoiar o nosso Projecto, é só dizerem!
Tuala Kumoxi!